As relações com o Norte na década de 80: Europa e Japão

1º) Nos anos 1980, as relações com a Europa Ocidental caracterizaram-se por algumas dificuldades na área econômica, convergência na área política, manutenção da cooperação tradicional e ampliação de esquemas

2º) Os países industrializados, em defesa de seus sistemas produtivos e mercados, forjaram o conceito de Newly Industrialized Countries, com que restringiram o Sistema Geral de Preferências negociado no seio do GATT. O Brasil foi “graduado“, e em 1981 perdia preferências comerciais na CEE e nos Estados Unidos. A Comunidade apresentava, aliás, de tempos em tempos, suas reclamações contra o protecionismo draconiano do mercado brasileiro para os produtos industriais, como os subsídios às exportações, e movia processos anti-dumping.

3º) O Brasil devolvia as críticas, alegando procedimentos similares praticados pela CEE contra as importações de manufaturados brasileiros, e sobretudo discordava da política agrícola da Comunidade, que mantinha preços elevados pelo subsídio, prejudicando a entrada de produtos brasileiros e a negociação de acordos sobre preços dessas matérias-primas.

4º) A adesão de Portugal e Espanha à Comunidade, em 1986, agravou ainda mais as condições do intercâmbio econômico. Embora seus chefes de Estado, em visitas ao Brasil, tenham instado o governo e a sociedade para que transferissem capitais e tecnologia àqueles países, criando empresas mistas, com que penetrassem o Mercado Comum indiretamente, não houve em escala apreciável.

5º) O Brasil teve prejuízos com a ampliação da Comunidade, cujos novos membros estenderam a convenção de Lomé, que regula as preferências especiais do integrantes, afetando as exportações brasileiras de produtos manufaturados e agrícolas. Em contrapartida, a CEE manifestou interesse de estreitar os laços de cooperação com a América Latina, negociando com o Brasil no quadro de acordos vigentes, da comissão mista e dos órgãos multilaterais apropriados, tanto o intercâmbio comercial quanto iniciativas específicas de cooperação, particularmente no setor de telecomunicações e de pequenas empresas..

6º) A cooperação bilateral com os países da Europa Ocidental manteve seu ritmo ascendente, reforçado por veículos políticos resultantes de intenso e profícuo intercâmbio de visitas de chefes de Estado e altas autoridades, sonegado apenas pela Itália. O número de acordos de cooperação cresceu de forma que atendesse a uma expansão vertical que incluía novos setores de atividades, e horizontal atingindo sobretudo os pequenos países da periferia.

7º) O Acordo Nuclear alemão de 1975, que previa para 1990 a instalação de oito usinas nucleares, enfrentou obstáculos que comprometeram as metas e as intenções originais. Desde 1979, havia-se ressuscitado no Brasil a tese hidrelétrica, ante os elevados custos comparativos da energia nuclear. A crise dos anos 80 e a recessão acabaram por sepultar o grandioso projeto, tocado em ritmo muito lento.

8º) As relações econômicas com a área socialista foram reforçadas por uma série de novos acordos de cooperação, mais ainda não haveriam encontrado o nível correspondente às potencialidades recíprocas. Por outro lado, o entendimento político consolidou-se, destacando-se os resultados da primeira troca de visitas entre os ministros das Relações Exteriores do Brasil e da União Soviética e da primeira visita do chefe de Estado brasileiro àquele país. O Brasil manifestou-se pela retirada das tropas soviéticas no Afeganistão, assim como condenava a intervenção israelense nos países árabes, sul-africana em Angola, Moçambique e Namíbia, norte-americana em Granada e na América Central, argentina nas Malvinas.

9º) O Japão, maior parceiro asiático, intensificou os vínculos com o Brasil, do ponto de vista comercial, econômico, político e cultural. A balança comercial, que lhe era muito favorável na década de 70, equilibrou-se nos anos 80, para pender a favor do Brasil. As relações culturais e políticas, até mesmo afetivas, registraram maior densidade em 1988, quando se comemorou o octogésimo aniversário da imigração japonesa para o Brasil

As relações com o Norte: (EUROPA OCIDENTAL)

1º) Era imperioso, dentro de uma estratégia bem definida, procurar alternativas para a impossibilidade de elevar a qualidade das relações com os Estados Unidos. A Europa ofereceu condições de compensação gradativa, que foram habilmente exploradas. Sem os atritos políticos, gerados pelas distintas visões de mundo que opunham Brasil aos Estados Unidos, era mais fácil administrar os choques de interesse econômicos e intensificar a cooperação.

2º) Em 1968, houve a visita do chanceler alemão Willy Brandt ao Brasil e, depois, do chanceler brasileiro à Alemanha, ocasião em que firmou o Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia e o Acordo Cultural. Em 1968, veio a rainha Elizabeth II da Grã-Bretanha e seu ministro da tecnologia, resultando desses contatos um incremento no comércio bilateral. Implementavam-se, em 1969, acordos com Portugal e Espanha, nas áreas de comércio e cultura.

3º) Após a implantação do Sistema Geral de Preferências, em 1971, pela CEE, Japão e outros e países, o Brasil procurou um acordo com a Comunidade Econômica Européia, que ainda se voltava para a África e para a Ásia (acordos de Youndé e Lomé), em outro sistema de preferências.

4º) Com a entrada da Dinamarca, Irlanda e Grã-Bretanha na Comunidade, em 1972, urgia regulamentar o comércio bilateral, e o Brasil obteve seu tratado em Dezembro de 1973, ano em que a Comunidade se tornou o maior parceiro do Brasil, absorvendo 30% das exportações. O tratamento tarifário acordado permitira aos produtos brasileiros competir naquele mercado. A essa altura, já se encaminhara um período fecundo de relações que beneficiaram grandemente o Brasil, tanto nas relações com a Comunidade, quanto nas relações bilaterais com seus componentes. O Brasil passou a obter excedentes de comércio e alcançou da Comunidade o maior volume de recursos externos para o desenvolvimento. 

5º) Entre 1970 e 1973, a cooperação bilateral deslanchou para uma fase criativa e acelerada, trocando-se visitas de alto nível e firmando-se acordo em múltiplas áreas com inúmeros países. As comissões bilaterais buscavam equacionar os interesses. Disso tudo resultou o incremento do comércio bilateral, dos investimentos europeus no Brasil e da cooperação, cabendo particular destaque à ALEMANHA, que além de manter o mais amplo e complexo programa de cooperação, já EM 1972 SE TORNARA O SEGUNDO INVESTIDOR NO BRASIL.

6º) Em 1975, quando da visita ao Brasil, o vice-presidente da CEE ouviu do chanceler brasileiro que sua comunidade absorvia 40% das exportações brasileiras e tinha no Brasil o maior comprador entre os países em desenvolvimento.

As relações regionais: o Norte (AS RELAÇÕES COM OS ESTADOS UNIDOS)

1º) O termo “relações especiais” foi ainda utilizado na linguagem diplomática como expressão de retórica, destinada a lembrar um passado que se perdera desde a década de 1950, pelo menos. Os analistas avançaram novos conceitos, que qualificaram melhor a natureza das relações Brasil-Estados Unidos, aplicáveis nas últimas décadas, mas sobretudo a partir de 1967:

  • Rivalidade emergente
  • The missing relationship
  • Managed conflict
  • Visões de mundo, oferta e demanda

2º) O Brasil via o mundo:

  • Dividido entre ricos e pobres
  • Aspirava o desenvolvimento autônomo
  • Dava ruma independente a sua política externa

3º) Os EUA via o mundo:

  • Dividido ideologicamente
  • Não tinha o desenvolvimento brasileiro, latino-americano ou sulista entre seus objetivos externos
  • Pretendia cooptar o Brasil a sua meta de contenção do comunismo

4º) O crescimento econômico brasileiro lhes era prejudicial, a menos que fosse induzido e controlado por seus banqueiros e empresas. Quase tudo levava ao conflito, mas sua intensificação não convinha, mesmo ao Brasil, que acionou uma estratégia de flexibilidade para administrá-lo em benefício próprio: manteve intensa e permanente a negociação bilateral e criou poder de barganha pela ampliação das relações com terceiros.

5º) Desde Costa e Silva tinha-se consciência de que o alinhamento, a aliança, as relações especiais NÃO podiam constituir uma prioridade, porquanto os interesses nacionais produziam atritos que colocavam em risco o entendimento bilateral. Em 1967, as divergências objeto de negociações referiam-se variados interesses:

  • Tratado de Não Proliferação Nuclear
  • As limitações à importação do café solúvel
  • O contingenciamento dos têxteis
  • O Acordo internacional do cacau
  • Reação à maior participação do Brasil nos fretes bilaterais
  • Parcela brasileira na redistribuição das quotas de açúcar

6º) Costa e Silva NÃO perdera a fé na Aliança para o Progresso, apesar de haver recebido em 1967 apenas 390 milhões de dólares em empréstimos. E, para agradar os Estados Unidos, cuja cooperação econômica, financeira e técnica julgava importante, conformava-se à cartilha do FMI

7º) Os acontecimentos políticos que resultaram no AI-5, na imposição de uma junta militar após a trombose que invalidou o presidente e no recrudescimento da guerrilha e do combate à subversão repercutiram nos Estados Unidos, com manifestações de reprovação no Congresso e na imprensa. O executivo norte-americano ainda assim se dispunha a apoiar os projetos de cooperação, mas o encaminhamento das relações bilaterais foi afetado, em 1969, quando ainda pendiam conflitos de interesses, como o do café solúvel e dos fretes marítimos. 

8º) No governo Médici, agravaram-se as relações públicas e comerciais, reagindo a diplomacia brasileira com redobrado esforço para não ver comprometidos os seus fins. O comércio bilateral tornou-se, a partir de 1970, altamente deficitário para o Brasil, revertendo uma tendência histórica contrária. Os interesses nacionais suscitavam divergências que iam se somando e se acumulando perigosamente, à espera de soluções que não vinham.

9º) Foram algumas questões que colocaram Brasil e Estados Unidos em posições frequentemente opostas:

  • A extensão do mar territorial brasileiro para 200 milhas
  • A expulsão a tiros de canhão de barcos norte-americanos dessas águas
  • As restrições às importações de manufaturados brasileiros (café solúvel, têxteis, calçados, bolsas)
  • Incompatibilidade das políticas nucleares, de defesa do meio ambiente
  •  A renovação dos acordos internacionais do café e do açúcar

10º) Na realidade, espelhava o confronto global entre as duas políticas externas, guiadas por interesses e conceitos antagônicos. No Congresso norte-americano, objeto de pressões múltiplas, a disposição de retaliar o Brasil era enorme. Médici foi aos Estados Unidos, em 1971, com duas finalidades:

  • Reiterar os termos em que fixara as relações bilaterais, de “cooperação, com independência e procura de soluções conciliatórias para os interesses divergentes
  • Contornar o controle dos lobbies sobre o Congresso norte-americano pelo entendimento igualitário da cúpula.

Três foram os resultados:

  • A famosa frase de Nixon, “para onde vai o Brasil, irá o resto da América Latina”, que, se exprimiu sua simpatia ou a de Kissinger, custou ao Brasil o protesto generalizado do continente, cujos melindres com hegemonia, subimperialismo e satelização foram despertos
  • Realimentação do entendimento mútuo por um sistema de consulta de alto nível, com visitas de chanceleres, autoridades e congressistas
  • Prosseguimento da cooperação mediante acordos que foram firmados sobre pesca, produtos agrícolas, cooperação científica, atividades espaciais e pesquisas oceanográficas.

Embora sem resolver as questões de fundo, a diplomacia atenuava ao menos os atritos bilaterais

11º) Nos dois primeiros anos do governo Geisel, entretanto, os conflitos econômicos recrudesceram, como também as divergências políticas. O déficit brasileiro no comércio bilaterais elevara-se a 1,8 bilhão e a nova lei americana de comércio exterior, de 1974, prenunciava, segundo avaliações do Itamaraty, momentos piores. Ela determinava uma série de restrições às importações dos países em desenvolvimento e o “congelamento das estruturas internacionais do poder econômico”

12º) Em 1974-1975, o déficit ampliou-se para 3,7 bilhões, afetando perigosamente a balança comercial brasileira, debilitada pela dependência do petróleo. E, como se não bastasse, o governo norte-americano decidiu, momentaneamente, em 1974, suspender o fornecimento de urânio para a usina de Angra, acordado em 1972, tornando ainda mais grave a dependência de energia.

13º) Geisel reviu então a política nuclear, procurou a Europa e firmou com a Alemanha o Acordo Nuclear, em 1975. O governo dos EUA se dispôs a inviabilizá-lo exercendo fortes pressões sobre o Brasil e a Alemanha. Estava muito inquieto, porque o Brasil não assinara o Tratado de Não Proliferação, tinham uma política externa autônoma, atritava-se com os Estados Unidos no comércio bilateral e nos foros multilaterais, apoiava regimes de esquerda na África, cotejando Cuba e União Soviética, estabelecendo relações a China comunista

14º) Kissinger resolveu melhorar as relações. Veio ao Brasil, quando cedeu um memorando de entendimento para consultas de Alto Nível. O diálogo foi ampliado, mas não impediu que Carter levantasse no ano seguinte outra bandeira contra o Brasil, os direitos humanos, precisamente quando Geisel, por seus esforços e exigência social, tinha-os praticamente garantido. Recrudesceu a pressão contra o Acordo Nuclear, mas o governo brasileiro, fortalecendo-se com apoio da opinião pública, dos meios políticos e das Forças Armadas, pôde resistir. Geisel, apesar de convidado em 1975, nunca se dispôs a visitar os Estados Unidos.

O Brasil e Política Mundial (1967-1979)

1º) Desde a inflexão da política exterior do Brasil, em 1967, com o desenvolvimento e o pragmatismo a guiar-lhe os passos daí por diante, três questões se abrem ao estudo no que tange ao movimento na esfera mundial:

  • As concepções do poder (A)
  • Sua aplicação nos órgãos decisórios internacionais (B)
  • Revisão da doutrina de segurança nacional (C)

A DIMENSÃO E AS CARACTERÍSTICAS DO PODER NACIONAL

2º) Ao rejeitar para o Brasil o poder associado à potência hegemônica ocidental, o governo Costa e Silva não conferiu ao poder nacional a plenitude soberana, porquanto o vinculou, em grande medida, ao poder emergente dos povos atrasados, em nova associação que esperava frutificar. Durante o governo Médici conceituou-se que: a potência é autônoma e seu exercício dimensionado à grandeza nacional, presente e futura. Médici fez saber, não de forma agressiva mas com certa arrogância, que ao país cabia uma parcela maior de poder.

3º) Já seu sucessor, Ernesto Geisel, abandonou tal perspectiva, convicto de que o poder se exerce de fato na dimensão disponível segundo os parâmetros de convergência, coincidências e contradições que caracterizam as relações internacionais. Os meios pra aumentar o poder nacional foram selecionados e agregados de forma empírica a partir da base material que dava suporte à ação externa.

4º) Em primeiro lugar, o cenário internacional foi utilizado para ampliar a dimensão e fortalecer o exercício do poder nacional. Este legitimou-se ao ser posto a serviço do desenvolvimento, que imprimira coerência doutrinária e prática à política exterior. O paradigma do Estado desenvolvimentista manteve os princípios históricos da diplomacia brasileira, tais como autodeterminação dos povos, a não intervenção em assuntos internos, a solução pacífica das controvérsias, a rejeição da conquista pela força, o respeito aos tratados. Todos esses atributos somados eram suficientes para realçar o poder, definir-lhe um perfil operativo, com grande espectro de previsibilidade e aceitação, em decorrência também da estratégia não confrontacionista adotada.

5º) Foi limitado, entretanto, o poder de barganha que resultou da desvinculação brasileira do conflito Leste-Oeste e do apoio às soluções que adviriam pelo diálogo Norte-Sul. Por outro lado, o sistema internacional e as condições internas não induziram outras modalidades importantes de barganha para o Brasil, no período.

6º) Procurou-se igualmente robustecer o poder nacional com elementos internos. A busca do consenso marcou o período, e a política externa pôde ser qualificada de avançada, democrática, até esquerdista, em posição à política interna, tida por retrógrada em sua forma. O bipartidarismo, implantado para diferenciar o regime militar dos totalitários, conviveu em harmonia com a política exterior: Arena e MDB apoiaram-na, grosso modo, no período, tanto em seus programas quanto nos pronunciamentos políticos. A evolução no conceito e no modo de exercer o poder nacional, permitiu a Ernesto Geisel manifestar elevado grau de autoconfiança.

UMA AVENTURA FRUSTRANTE PELO CENÁRIO INTERNACIONAL

7º) A presença brasileira nos foros multilaterais de caráter universal foi permanente e intensa no período, tendo em vista os seguintes objetivos:

  • Atingir as metas nacionais de desenvolvimento e da segurança
  • Obter informação para atuar nos foros multilaterais regionais e nas relações bilaterais
  • Influir sobre a reforma da ordem mundial

8º) A posição de potência intermediária condicionou a ação brasileira, determinando seu caráter moderado, realista, por vezes ambíguo, longe de engajamento doutrinal imutável, apesar de solidária com a frente dos povos atrasados, voltada aos problemas concretos com solução ad hoc, sem adesão incondicional a consensos de grupos. Não foi difícil definir e sustentar as metas naqueles órgãos, em conjunto e separadamente, avaliar os resultados e concluir sobre a sua funcionalidade:

  • A diplomacia brasileira transitou do otimismo ao realismo e à decepção, fato que, além de não provocar nenhuma retirada de campo, repercutiu sobre a política externa tanto quanto as crises do sistema internacional.

9º) O Governo Costa e Silva foi marcado pelas percepções de que o conflito Leste-Oeste se deslocara para centro-periferia e de que convinha reforçar o poder e ampliar a ação do Sul. Instituiu sua diplomacia no sentido de exercer uma “atuação resoluta“, ao lado da Ásia e da África para fazer passar na ONU, particularmente na UNCTAD, novas resoluções favoráveis ao desenvolvimento. No governo Médici, a doutrina-síntese sustentada pelo Brasil nos foros multilaterais passou a ser da “segurança econômica coletiva“, que retirava do confronto bipolar e deslocava para o confronto material as possibilidades da paz internacional. 

 A NACIONALIZAÇÃO DA SEGURANÇA 

10º) A doutrina de segurança nacional foi reformulada sob o impulso de dois fatores:

  • a eliminação do modo bipolar como orientação da política externa
  • o malogro global do diálogo Norte-Sul.

11º) Determinaram sua evolução as divergências crescentes com os Estados Unidos e as dificuldades em adquirir tecnologias avançadas pela cooperação internacional, como também a percepção segundo a qual, por trás dos sistemas de segurança, havia pérfido desígnio das duas superpotências em manter congelados no mundo tanto o poder quanto a riqueza.

12º) O primeiro passo em direção à nacionalização da segurança foram o abandono da segurança coletiva. Sua política externa opôs-se coerentemente ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, nos termos propostos pelos Estados Unidos e União Soviética, que consolidavam a desigualdade tecnológica, e impôs duas condições para firmá-lo:

  • Não impeça o acesso à tecnologia nuclear
  • Venha acompanhado por medidas efetivas de desarmamento por parte das potências nucleares

13º) Tais condições nunca se realizaram, e nenhum governo brasileiro, desde 1967, consentiu em aderir àquele Tratado, antes de FHC. Em contrapartida, em Maio de 1967, o Brasil firmava o Tratado do México, que proscrevia armas atômicas na América Latina, sem subterfúgios antieconômicos

14º) O Brasil estabeleceu sua política nuclear em dois pontos:

  • A renúncia às armas nucleares, apoio ao desarmamento nuclear e à não proliferação
  • Determinação de utilizar a energia nuclear para acelerar o desenvolvimento, não pela importação do produto final, mas gerando tecnologia própria, conforme já procediam até mesmo em países em desenvolvimento.

15º) Quatro momentos foram decisivos para a nacionalização definitiva da segurança:

  • A definição de uma política de exportação de material bélico (Geisel, 1974), porque o mercado externo tornaria viável a produção em escala de armas portáteis, munição, aviões dentre outros, com oque se pretendia eliminar a dependência e ampliar a segurança
  • O Acordo Nuclear firmado com a Alemanha, em 1975, porque permitia transferência e absorção progressiva de tecnologia nuclear
  • A denuncia, em 1977, do Acordo Militar com os Estados Unidos (1952) e os demais acordos a eles vinculados, porque marcava o fim de uma aliança que vinha desde a Segunda Guerra e liberava o armamento brasileiro de uma dependência obsoleta e prejudicial ao desenvolvimento tecnológico
  • Desenvolvimento de um programa nuclear paralelo, conjugado, a partir de 1979, projetos integrados de pesquisa, implementados pelo Exército, Marinha e Aeronáutica.

A participação no conflito

1º) A presença de tropas do Eixo no noroeste da África fez aumentar a importância do Nordeste brasileiro no sistema defensivo norte-americano. O ataque japonês a Pearl Harbour em Dezembro de 1941 foi reprovado pela opinião nacional e provocou a declaração de solidariedade do governo brasileiro aos Estados Unidos.

2º) Os representantes diplomáticos dos países do Eixo procuraram pressionar o governo brasileiro com a finalidade de mantê-lo neutro e impedi-lô de romper relações diplomáticas com estes. Não obstante, o Brasil não recuou da sua decisão de se alinhar aos Estados Unidos e, em 28 de Janeiro, rompeu relações diplomáticas e comerciais com o Eixo, não sem antes obter dos Estados Unidos, promessas consistentes de que as Forças Armadas seriam reequipadas. O Brasil alinhou-se aos Estados Unidos em um momento difícil para eles na guerra.

3º) Os acordos de natureza militar, estratégica e econômica, firmados entre fevereiro e agosto, inauguraram uma etapa de colaboração no relacionamento entre os países, cujos efeitos transcendem ao período em questão. O fornecimento dos EUA, a elevação do crédito do Brasil e outras formas de cooperação tiveram como contrapartida, sobretudo, a venda de material estratégico, principalmente borracha e minerais.

4º) O projeto de desenvolvimento nacional passava pela siderurgia, segundo Vargas, assim como a segurança nacional passava pela industrialização, segundo militares que o assessoravam. A implantação do projeto siderúrgico e o reequipamento das Forças Armadas eram variáveis de uma mesma política.

5º) O desenvolvimento do conflito e  consequente o bloqueio naval inglês contribuíram para evidenciar às autoridades brasileiras que os armamentos desejados só poderiam vir dos Estados Unidos. Como decorrência da intensa colaboração, os Estados Unidos venderam ao Brasil armas e munições a preços inferiores de custo, forneceram-lhe capital para assumir o controle de companhias de aviação do Eixo, e, ainda, para o desenvolvimento da industria extrativa mineral e vegetal de importância militar. Em 1942, foram autorizados a proceder as modificações necessárias à utilização militar nas bases de Belém, Natal e Recife.

6º) A represália alemã a não observação da neutralidade brasileira manifestou-se em ataques feitos pelos submarinos do Eixo a navios mercantes brasileiros, com a finalidade de interromper o transporte marítimo entre o Brasil e os países do Atlântico Norte. Em 31 de Agosto de 1942, tendo em conta inclusive a reação popular, o governo brasileiro reconheceu o estado de beligerância contra a Alemanha e a Itália. Reconhecimento de beligerância em vez de declaração de guerra, em atenção à tradição do país de nunca a declarar.

7º) A participação direta do Brasil no conflito decorreu MAIS DE sua vontade do que por solicitação dos Estados Unidos. A Grã-Bretanha era contrária mesmo à participação brasileira. Para os norte-americanos, o Brasil já dava importante contribuição e o envio de tropas não estava nos planos.

8º) Em termos materiais, a participação no conflito deixou saldo positivo ao Brasil. O Exército e a Força Aérea foram modernizados e equipados numa escala superior ao período imediatamente anterior, com quadros de pessoal treinados em centros mais avançados que os nacionais. Afora isso, é preciso considerar o aumento do prestígio internacional do país, figurando ao lado dos vitoriosos e o aumento do componente de orgulho incorporado ao sentimento nacional.

O Projeto Siderúrgico

1º) O aproveitamento das ricas jazidas de minério de ferro por uma usina siderúrgica instalada no território brasileiro era, à época, visto com um dos magnos problemas cuja resolução dependia o desenvolvimento econômico nacional. A aspiração nacional tornou-se realidade durante o período Vargas, que tirou partido da conjuntura criada pela Segunda Guerra Mundial.

2º) Os norte-americanos, cientes de participarem da guerra europeia, ao mesmo tempo que se preparavam, procuravam, por meio da retórica pan-americanista e de medidas concretas, ganhar a América Latina no sentido de incluí-la no seu sistema de poder. O Brasil, por causa do saliente nordestino, ocupa posição geográfica importante no sistema defensivo  hemisférico. Getúlio Vargas sentiu o momento e procurou, como contrapartida da cooperação, obter vantagens concretas para o desenvolvimento econômico nacional, como recursos e tecnologia norte-americana para a construção de uma usina siderúrgica situada em Volta Redonda. Havia também o desejo de reequipar as Forças Armadas. Não havia interesse das empresas norte-americanas e Getúlio Vargas fez constar que seu país procuraria outra alternativa, vale dizer, a Krupp alemã. Divergiram também os estrategistas brasileiros quanto à cooperação militar. Tal situação perdurou até a derrota francesa para a Alemanha.

3º) Os sucessos militares dos alemães na Europa em 1940 repercutiram no Brasil e dividiram as opiniões, inclusive no próprio seio do governo. Getúlio Vargas fez o famoso discurso de 11 de Junho de 1940, no qual, fez elogio aos sistemas totalitários de governo e previu o fim das democracias. Entre reações positivas do Eixo e de espanto e consternação nos EUA, Vargas dava garantias de que o Brasil não se afastaria da solidariedade pan-americana a fim de desfazer os temores causados pelo tão controverso discurso.

4º) É preciso ainda ter em conta que para os Estados Unidos a implantação do projeto siderúrgico significava, além da contraposição à influência econômica e militar alemã, posterior aumento de sua presença comercial no Brasil, pois, em razão do processo de industrialização que o projeto desencadearia, haveria aumento da demanda de bens norte-americanos.

O Brasil na Segunda Guerra Mundial: Neutralidade e Pragmatismo

1º) O acompanhamento da evolução da difícil conjuntura era feito também com apreensão pelas autoridades governamentais, que não vislumbravam a possibilidade de o eventual conflito ficar restrito ao espaço europeu.

2º) Em 29 de Junho de 1939, o ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, apresentou a Vargas sua proposta de regras de neutralidade. No ensejo, fez previsões e sugestões. Anteviu a dificuldade de o Brasil manter-se neutro na hipótese de guerra generalizada, repetindo-se o que ocorrera durante a Primeira Guerra. A partir disso, sugeriu providências:

  • Arregimentação da opinião pública
  • Economia de combustíveis e trigo
  • Regularização dos vencimentos de obrigações internacionais
  • Constituição de estoques de produtos indispensáveis
  • Proibição da exportação de ferro

3º) Quando do início das hostilidades, em Setembro de 1939, o governo declarou a neutralidade do Brasil, bem como estabeleceu as normas para a sua observação. A neutralidade foi violada mais de uma vez em razão da falta de capacidade militar brasileira para exercer vigilância em todo o extenso litoral. No momento em que a neutralidade brasileira passou a ser pró-Inglaterra e França, o Reich não reagiu, inclusive porque era-lhe mais importante manter o Brasil, como de resto toda América Latina, neutro no conflito. No referente às relações comerciais, as importações e exportações alemãs no Brasil sofreram acentuado declínio e, concomitantemente houve sensível aumento no intercâmbio comercial com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos

4º) No período compreendido entre 1935 e 1941 foi sintetizado por Gerson Moura (1980) como de “equidistância pragmática”, pelo fato de o Brasil ter procurado tirar proveito da disputa então existente entre os dois blocos de poder, vale dizer, Estados Unidos e Alemanha. A atitude de indefinição do Brasil em face daqueles permitiu-lhe tirar vantagens em termos econômicos e comerciais.

5º) A retratação da presença comercial da Alemanha na América do sul por causa do conflito, e razões de ordem interna, inclusive a pressão popular, levaram o Brasil a abandonar a equidistância, substituindo-a pelo alinhamento aos Estados Unidos no final de 1941 e início de 1942. A Alemanha carecia das matérias-primas e do mercado brasileiros, o que explica as facilidades proporcionadas pelo comércio compensado, visto mais adiante.

6º) Os Estados Unidos, por sua vez, a fim de obter a colaboração do Brasil, em razão de sua posição geográfica e dos minerais estratégicos, faziam-lhe concessões. O governo brasileiro pôde, assim, praticar livre comércio com os Estados Unidos, concomitantemente ao comércio compensado com a Alemanha. O comércio compensado era um sistema em que importações e exportações eram feitas à base de troca de mercadorias, cujos valores contabilizados nas “caixas de compensação de cada” país. Mas tanto pelo livre comércio quanto pelo comércio compensado, o relacionamento era desigual, assimétrico.

7º) A ambiguidade do governo Vargas às vésperas do início do conflito na Europa refletia a divisão existente na própria cúpula do sistema político, entre pró-Eixo e pró-aliados. Aranha era o principal representante da segunda posição. Getúlio e militares integrantes do governo procuravam manter uma visão de neutralidade. Quando da ofensiva nazista de Abril de 1940, Aranha sugeriu que o governo brasileiro fizesse condenação pública da agressão alemã, sem contudo abandonar a neutralidade. Getúlio preferiu a neutralidade estrita em razão de a Alemanha ser eventual fornecedora dos armamentos de que o Brasil necessitava e em razão da posição daqueles militares.

8º) Afora o aumento das exportações, o governo brasileiro entendia como essencial para o desenvolvimento nacional a construção de uma usina siderúrgica. Queria-se, ainda, reorganizar as Forças Armadas, inclusive para garantir o seu apoio ao Estado Novo. O comércio compensado fazia crescer o intercâmbio comercial Brasil-Alemanha em níveis que preocupavam as autoridades norte-americanas, não só por razões estritamente econômicas, mas também, pela influência que o Reich poderia exercer sobre o governo brasileiro. Tais fatos, mais a antevisão do conflito, formaram o contexto no qual se inseriu a iniciativa do governo norte-americano de formular convite de visita do chanceler brasileiro aos Estados Unidos, oportunidade em que seriam reguladas as relações entre os dois países. Organizou-se assim, a Missão Aranha, que esteve nos Estados Unidos em 1939.

9º) A agenda de encontro da missão Aranha com as autoridades norte-americanas, constavam itens relativos às relações comerciais, político e financeiras. O objetivo era, por meio da assistência econômica, atrelar o Brasil ao sistema de poder dos Estados Unidos. Tal objetivo não se limitava ao Brasil, fazia parte da política de “boa vizinha” inaugurada pelo presidente Roosevelt. A colaboração econômica com os Estados Unidos, todavia, ficou aquém do esperado, e mesmo assim de difícil implementação em virtude de resistências internas no Brasil, existentes até dentro do próprio governo. Do ponto de vista militar, embora não se tenha conseguido o reaparelhamento, iniciou-se um lento processo de aproximação dos dois países. Aos Estados Unidos interessavam, além da adesão, neutralizar a influência alemã. A Missão Aranha é o fim da “equidistância pragmática”

10º) Em 1939 houve a  Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas para adotar uma posição em face do conflito então recentemente inaugurado. A delegação brasileira adotou atitude conciliatória com a finalidade de harmonizar propostas, e defendeu o princípio de “mar continental”, isto é, a criação de uma zona de segurança, a fim de resguardar a neutralidade e a tranquilidade.

 

O Estado Novo: reflexos diplomáticos

1º) O advento do Estado Novo (Novembro de 1937) foi bem acolhido em Berlim e Roma, em razão da identidade ideológica de seus governos com o novo regime. Em Washington houve apreensão, num primeiro momento. Mas, contrariamente ao que poderia indicar, o Brasil, no plano externo, não assumiu atitude que eventualmente pudesse levar a um alinhamento às potências do Eixo. Tanto é assim que se recursou a integrar o pacto Anti-Komintern para não prejudicar a amizade norte-americana e em atenção à pressão interna.

2º) Apesar da suspensão do pagamento da dívida externa, decretada por Getúlio Vargas no mesmo dia do golpe, da diferença de regimes e do acordo comercial firmado com a Alemanha em 1936, as relações do Brasil com os Estados Unidos NÃO sofreram abalo.  

3º) Por discordar dos rumos que ia tomando o Estado-Novo, Osvaldo Aranha pediu demissão do posto e mostrou disposição de abandonar a política. Contudo, aderiu ao novo regime, o que significou sua nomeação, em Março de 1938, para a chefia do MRE, onde permaneceu até 1944. Aranha entrou prestigiado no governo, em razão do que pôde conduzir os negócios exteriores com mais liberdades do que poderia supor. Foi uma espécie de contrapeso em face daqueles que, no governo, eram simpatizantes das potências do Eixo. Aranha NÃO nutria simpatias pela Itália ou Alemanha e era A FAVOR do incremento das relações com os Estados Unidos. A crise diplomática havida em 1938, entre o Rio de Janeiro e Berlim, em razão, aliás, da atitude insolente do embaixador alemão no Brasil, Karl Ritter, e a missão Aranha nos EUA em 1939, contribuíram para aumentar o prestígio da diplomacia norte-americana junto ao Itamaraty.

4º) A campanha de nacionalização, a proibição da propaganda e da organização de partidos políticos provocaram estremecimento, em 1938, das relações entre o Estado Novo e  o Reich, contrariando, assim, expectativas geradas pela identidade de regimes. A simpatia de Vargas pelos regimes totalitários europeus, o aumento considerável das trocas comerciais entre Brasil e Alemanha e a aproximação dos dois países também no referente a armamentos e colaboração policial, não impediram o Estado Novo de cercar as atividades a seção brasileira do partido nazista .

5º) O partido integralista não tinha relações palpáveis com o partido nazista do Brasil. Apesar da ação do governo alemão junto aos brasileiros de origem alemã do sul do Brasil, as relações comerciais entre o país e a Alemanha não sofreram alterações (A Alemanha continuou a ocupar posição importante no comércio exterior brasileiro, principalmente do algodão)

6º) Com a Itália as relações foram mais cordiais. Logo após o golpe de 1937 e configurada a AIB como perdedora, o governo de Roma aproximou-se do Estado Novo, cessando suas subvenções à AIB e com ela mantendo apenas contatos informais. Antes dessa atitude, Roma desenvolvera uma diplomacia paralela no Brasil: com o governo e com a AIB.

7º) A PRINCIPAL preocupação dos Estados Unidos em relação ao Brasil, após o advento do Estado Novo, foi evitar que ele ficasse na órbita da influência alemã. Daí a facilidade das relações entre os dois países, não obstante as diferenças de regime. O rompimento de Vargas com a AIB e a colocação desta na ilegalidade em 1937, afora outras considerações, contribuíram para tranquilizar o governo norte-americano. As relações do Brasil com os Estados Unidos melhoraram ainda mais, não só em razão da presença de Osvaldo Aranha, mas também por causa da crise nas relações com a Alemanha.

Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional. A Revolução de 1930 e a política externa

1º) O Governo Provisório instalado no Brasil, em novembro de 1930, não teve problemas para ser reconhecido internacionalmente, até mesmo porque garantiu o cumprimento de todos os compromissos internacionais assumidos pelo país. As relações com os Estados Unidos não foram afetas na sua essência, apesar do constrangimento inicial motivado pelo apoio que o governo americano dera ao governo legal de Washington Luís.

2º) O novo chanceler Afrânio de Melo Franco ficou no posto até 1933 e não promoveu significativas alterações de rumos na política externa que o Brasil vinha desenvolvendo. Embora o chanceler não tenha se descuidado da demarcação das fronteiras, foram enfatizadas as relações comerciais sobretudo porque, desde o ano anterior à Revolução, a quebra da bolsa de Nova York e a recessão que lhe seguiu afetaram negativamente as exportações nacionais.

3º) No discurso da década de 30, as transformações econômicas e sociais levaram os detentores do poder a uma nova percepção do interesse nacional. Embora sem de descurar dos interesses das exportações tradicionais, a política externa brasileira buscou formas de cooperação e barganhas voltadas para um interesse nacional compreendido de maneira mais abrangente do que o período anterior, pois visava contemplar outros seguimentos da sociedade. Isto explica as transformações havidas na política brasileira, como o reforço do pragmatismo e do seu sentido de instrumento do projeto de desenvolvimento nacional, que tinha na implantação de uma siderúrgica sua pedra angular.

4º) Na historiografia é de certo modo consensual que o Brasil fez “jogo duplo” em relação aos Estados Unidos e à Alemanha, no período que antecede à Segunda Guerra, com a finalidade de barganhar. Tal jogo fora-lhe facilitado pela crescente participação alemã no comércio exterior brasileiro no período de 1934 a 1938, concomitantemente com o declínio da presença tanto norte-americana quanto inglesa nas compras e vendas do país.

5º) Ao alinhar-se aos EUA, o Brasil não atendia apenas razões de natureza material, reafirmava a continuidade de uma amizade e reconhecia a liderança norte-americana ao prestigiar o pan-americanismo. A “opção’ brasileira em favor dos Estados Unidos, isto é, o abandono da “equidistância pragmática” não se deu na década de 1940, mas sim no final da de 1930, tornada mais visível quando da missão de Osvaldo Aranha àquele país (1939) e da sua consequente formalização de acordos de cooperação. Antes disso e para assinalar uma mudança de atitude e marcar a aproximação Brasil-Estados Unidos, cabe observar que o país anunciou, em 1933, sua adesão ao Pacto de Briand-Kellog. O Brasil não dera adesão ao pacto em 1928, por tê-la considerado desnecessária, uma vez que continha em sua carta constitucional a essência dos seus princípios norteadores.

6º) Faltavam ao III Reich condições objetivas para atender as demandas brasileiras. Influenciou no alinhamento brasileiro aos Estados Unidos a fidelidade a uma parceria tradicional, embora barganhando. Há, assim, de se considerar, além do pragmatismo, o lastro histórico que existia no relacionamento dos dois países. Não se pode também perder de vista a atração cultural e a política de aliciamento praticada por aqueles.

7º) No contexto regional, adotou-se uma atitude de prestígio do pan-americanismo, que seria observada também no Estado Novo, quando do alinhamento aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Outra característica da atuação brasileira na área americana foi a conciliação. Em 1930, Melo Franco ofereceu, com sucesso, os bons ofícios para o reatamento das relações diplomáticas entre Peru e Uruguai. Na questão de Letícia entre Peru e Colômbia e na Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia, a diplomacia brasileira desempenhou também papel conciliador. As relações Brasil-Argentina caminhavam vem nos aspectos comerciais e diplomático. A rivalidade militar apresentou melhora da ascensão de Vargas até 1936-1937. Em 1933 foi assinado o Tratado Antibélico de Não Agressão e Conciliação. A proposta do tratado foi de Saavedra Lamas, ministro de RE argentino. Finalmente, não se pode deixar de considerar, ainda no contexto regional, a mudança pela qual passou a política exterior norte-americana com a ascensão de Franklin D. Roosevelt que na busca do alinhamento hemisférico, propôs a “política da boa vizinhança” e inaugurou uma nova etapa nas relações interamericanas.

A POLÍTICA COMERCIAL 

8º) Houve ao longo do ano de 1930, todo um esforço governamental visando ao incremento das exportações nacionais, pois estas vinham sendo prejudicadas pelos efeitos da depressão econômica que atingia o mundo inteiro. O que se alterou após 1930 foi o ímpeto governamental, o desejo de rever e uniformizar os tratados, com a finalidade de “regularizar” as relações comerciais, conforme foi dito à época. O MRE buscou, assim, dar cumprimento à promessa contida na plataforma da Aliança Liberal, por meio da assinatura de acordos com o estrangeiro que levassem ao fomento da produção e das exportações.

9º) Getúlio Vargas durante banquete oferecido ao corpo diplomático estrangeiro, manifestou a preferência brasileira pelos tratados com a cláusula da nação mais favorecida. Essa modalidade de ajuste era, ainda, recomendada pelas conferências econômicas da Liga das Nações. Em continuação, o Itamaraty propôs aos chefes de missão acreditados no Brasil a negociação dos acordos comerciais sob a base comum daquela cláusula, salvo casos de tratamento especial. A proposta brasileira foi bem acolhida pelos países. A nova política comercial, segundo o ministro das RE, revelava-se produtiva, consoante os dados estatísticos oficiais. Em 1935, todavia, todos os tratados seriam denunciados pelo Brasil, quando constatou que seus parceiros comerciais, mormente os europeus, estavam recorrendo a uma série de artifícios para tornar sem efeito a cláusula de nação mais favorecida, praticando um protecionismo com métodos modernos. Aqueles tratados ficaram sem efeito na prática.

 

Ilusão e frustração: participação e retirada da Liga das Nações

1º) O Brasil participou da organização da Liga das Nações e prestou ativa colaboração no seu conselho como membro eleito. 

2º) A amizade norte-americana foi útil para Domício da Gama, então ministro das Relações Externos, ver atendidas as pretensões brasileiras. Assim, o Brasil participou da Conferência de Paz de Versalhes com três delegados, mesmo número de delegados da Bélgica e da Sérvia graças ao esforço de Woodrow Wilson. Pelo mesmo motivo deve-se a participação do Brasil no Conselho de Liga das Nações como membro temporário, para um mandato de 3 anos.

3º) O Conselho Executivo, o órgão mais importante da Liga das Nações, era integrado por membros permanentes e membros provisórios. Os assentos destes eram providos por eleição, salvo o primeiro mandato que derivou de nomeação da Liga. O Brasil seria sucessivamente reeleito para o referido Conselho. A atuação conjunta das delegações brasileira e norte-americana nas negociações de paz e na formação da Liga das Nações trouxe dividendos materiais ao país, mas houve também ganho em termos de prestígio. A delegação brasileira, ao acompanhar, nas conferências, a delegação dos Estados Unidos, deu continuidade à tradição de amizade como esse país.

4º) Brasil e Espanha desejavam ter um posto permanente no Conselho Executivo da Liga das Nações desde 1921. As pretensões de ambos os países, todavia, foram recusadas pelo Conselho, em reuniões secretas. Os responsáveis pela condução da política exterior do Brasil tinham a condição de membro temporário do citado conselho como não correspondente com a posição do pais no concerto internacional. O assunto começou a tomar forma quando surgiu a expectativa de que o Brasil não seria reeleito para um dos postos temporários, em razão do estabelecimento do princípio de rodízio para a ocupar tais assentos. A questão toda colocava-se em termos de prestígio.

5º) O Brasil reforçou sua pretensão na fase das negociações que precederam a inclusão da Alemanha na Liga, inclusão que seria seguida da sua da imediata integração no Conselho na qualidade de membro permanente. A Alemanha contava essa integração como certa e, para reafirmar sua condição de grande potência, opunha-se a que se procedessem modificações no Conselho, no referente à estrutura e ao número de integrantes, antes de seu ingresso definitivo.

6º) O Brasil queimou o seu último cartucho. Do Rio de Janeiro partiram instruções no sentido de vetar-se a entrada da Alemanha caso o Brasil não fosse igualmente atendido. O Brasil dizia falar em nome da América. As nações latino-americanas, contrariamente, pediram-lhe para mudar de posição na questão, pois o que se devia ter em mira era a “reconciliação entre os povos da Europa”. A obstinação do governo brasileiro repercutiu na imprensa europeia, tendo sido, inclusive, acusado de estar fazendo chantagem. Artur Bernardes permaneceu irredutível.

7º) Em 1926, o presidente da delegação brasileira sustentou o veto. O Brasil responsabilizou as potências signatárias do Tratado de Locarno por terem discutido o relativo à alteração do Conselho em reuniões secretas, e não no Conselho e na Assembleia, de modo aberto. Em 10 de Junho de 1926, o Brasil comunicou a renuncia do Brasil ao seu lugar temporário. Na exposição de motivos, entre outras coias, o governo brasileiro afirmou que as nações americanas estavam em uma situação de desigualdade e inferioridade na Liga das Nações, investiu contra os entendimentos não públicos, bem como contra as negociações que se fizeram apenas entre os mais fortes.

8º) O Brasil fundamentara seu pedido de integração permanente no Conselho da Liga das Nações com o argumento de que o continente americano, com a não participação dos Estados unidos e o afastamento da Argentina, estava pouco representado no organismo em Genebra, em termos de proporcionalidade.

9º) Supôs o Brasil, na ocasião em que foi tratado em Locarno o assunto relativo à entrada da Alemanha na Liga das Nações, que seria processada modificação no quadro os membros permanentes do conselho, de tal modo que o país germânico não fosse o único a ingressar nessa categoria. O Brasil foi duro nas críticas a Liga das Nações. Insurgiu-se contra a doutrina de que só as grandes potências deveriam figurar no quadro dos membros permanentes, o que não se coadunava com o caráter universal da Liga. Aquela deveria ser uma antítese da Santa Aliança esteve se distanciando do ideal americano, pois, ao invés de preparar o futuro, perpetuava o passado.

10º) A verdade é que o Brasil, potência intermediária, tinha a respeito do seu peso no cenário internacional uma concepção distante daquela das potências europeias. Sabia-se que a Liga das Nações era uma organização dominada, por meio de seu Conselho, pelas grandes potências. O Brasil, que foi membro eletivo de 1920 e 1925, reivindicou o reconhecimento do status de grande potência ao pleitear um assento permanente.

11º) A posição internacional de um país, no entendimento brasileiro, não deveria decorrer apenas do pode militar, mas também de outros fatores. As potências europeias, com uma visão diferente desta, não iriam incluir o Brasil no rol das grandes potências, com o direito de participar permanentemente de um conselho que tomava decisões por unanimidade. Por que o Brasil assumiu com tanta determinação uma empresa fadada ao fracasso e partiu para o tudo ou nada, num arremedo de política de poder que não se coadunava com o peso específico do país no concerto internacional?

12º) Segundo Macedo Soares (1927), o Brasil deixou a Liga das Nações por atitude de prepotência de Artur Bernardes. Tanto foi assim, que houve descompasso entre o chefe da representação brasileira em em Genebra, Afrânio de Melo Franco e o Rio de Janeiro. O governo estaria com os olhos voltados para a situação interna, sem atentar as manifestações contrárias de Suécia e Inglaterra ao aumento de assentos no Conselho de Liga das Nações. Além disso, o veto acabou por encobrir a crise da Liga das Nações, que se desenvolvia independentemente do Brasil. A partir do veto, a retirada do Brasil da Liga das Nações foi inevitável. Permanecer acarretaria passar por humilhação na Assembleia de 1926. A Liga era o centro da política internacional e o Brasil, com o veto à Alemanha, num gesto de incultura diplomática privara-se de participar do organismo de Genebra.

13º) O Brasil, todavia, manteve atitude amistosa e de colaboração, condizente com os propósitos da organização. Tanto é assim, que não deixou de prestigiar os organismos internacionais da Liga das Nações e de continuar pagando sua contribuição anual. Ilustrativa do espírito de colaboração foi a doação de um centro internacional para investigação de lepra à Organização da Saúde em 1931.